28 de julho de 2010

Indecente


Dorme no chão, não come nada.
Calejado, ferido e cicatrizado, não sente nada.

O sol queima a pele fazendo-a transbordar.
Mas isto é pouco, muito pouco para o despertar.

No seu torpor indecente, ele é invisivel.
Apenas um obstáculo transponível.

É indecente, sujo e queima os olhos.
É gente?

Escolhas, conduta, torpor.
Por qual irá optar?

Pelas escuras escolhas, cordas bambas?
Frágeis sobre o precipicio?

Conduta? Um método, um modo.
Para que?

Torpor? Delicioso torpor.
Lhe afaga o corpo e alimenta a mente.

Continua torto no chão,
Queima lentamente.

A súbita alegria lhe abandonou,
apenas mais uma.

Mas o amigo topor...
Ah, o torpor!

Lhe deixa queimar lentamente,
Sussurrando incertezas em sua mente.

É indecente. É tocha incandescente.

Desejando


Desejando chuva, desejando paz.
Desejando vento, desejando sonhos.
Sentidos atentamente entorpecidos, atentos apenas ao torpor.
Desejos únicos convergindo para um único ponto multifacetado.

Sonhando, pensando.
Querendo, vivendo
Pés caminhando, olhar divagando.
E assim ela vai.

Um desejo único tão diversificado.
Desejando colo, desejando amor.
Um saber inconsciente, um pensamento reticente,
Desejando vozes, desejando ardor.

Falando, contando.
Chorando, cedendo.
Olhos pingando, olhar ameno.
E assim ela segue.

Desejando chuva, desejando paz.
Desejando vento, desejando alento.
E por aí ser vai.

Memórias Inutilizadas



Às vezes eu sou invisível. É uma maldita sensação. As pessoas simplesmente passam seus olhos por mim como se eu fosse algo gasoso.
         Às vezes eu sou fluorescente e todos me olham. Também é péssimo.
         A droga da igualdade, da adaptação, do equilíbrio, todas essas palavras insosas e sem significado poético, é o que eu não encontro.
        Nunca no mesmo nível, sempre de menos, ou demais. Nunca comum, nunca igual.
Irreal. Acho que atravessei o espelho e não me lembro. E não sou Alice conhecendo um fantástico mundo. Sou Sofia no lugar errado, desejando ser Zareen.
Sinto falta de tudo que perdi, de tudo que esqueci, deuses, o quanto esqueci?
          Não é saudades do que não vivi como diria o poeta, é falta, buraco, espaço em branco, vazio.
Tudo que quero que vejam, que sintam, é apenas o quero para mim. Desejos, anseios e medos amortecidos.
Perder o medo do escuro é esquecer quem você é.
         Quem eu sou? Quem eu fui? O que fiz ontem? Qual meu sabor preferido? O que fizeram com minhas memórias?
         Apenas mais uma, mais uma de tantas coisas importantes que esqueci.
Detesto ser oca, se concha, detesto ser um livro em branco em que ninguém se sentiu inspirado a escrever. Mas me resumo a isso, sempre e sempre. E ando em círculos retornando a isso, refazendo parágrafos repetitivos e ocos.
E volto ao velho cliché de sentimentos compartilhados por inúmeras pessoas, de inúmeras gerações, países... Esse maldito vazio.
E não adianta mudar. Eu sei, já me disseram. Sempre vai haver vinte capítulos em branco, e vinte e um, e vinte e dois... E esse pânico se apodera de mim, sou uma bomba relógio, contando tempo para o nada.
E eu que não agarre, não segure o pouco que tenho!
         Os deuses, os que existem, os imaginários, os onipotentes, os esquecidos, todos eles parecem decididos a me fazer de idiota.
         E eu esqueço! Esqueço disso! Eu olho para frente e penso “pode ser assim” sem saber que o maldito dia seguinte é igual ao anterior, que foi igual ao ano passado inteiro, que foi em branco como os capitulos anteriores.
Pode o vazio produzir complemento? Consolo? Pode o vácuo existir? Posso eu realmente existir? E não ser um personagem cliché de um romance estático e antigo, um patético folhetim?
         Um personagem produzido, criado e desenvolvido e por fim esquecido, inútil para todos os estilos, romance, aventura, terror, fantasia.
         Um personagem descartado, jogado de volta ao mundo real pela total inaptidão quanto ao que quer que seja.
Eu não quero o mundo real. Quero apenas voltar para as minhas páginas, escolher meu gênero, meu número de capítulos, minha pessoa, meu prólogo esquecido, minha rotina comum, meu conflito impiedoso, meu climax emocionante, meu desfecho derradeiro, meu epílogo inesperado e meu fim pacificado, enfim. 
Quero apenas servir para algo. E formar palavras e obedecer o narrador.
         Ser a vilã fanática, a heroína determinada, a escudeira abnegada, a narradora onipresente. Quero ser algo, fazer algo, quero algo.
         Nada específico, enfim, apenas algo.
         Não quero ser essas agudas e doloridas memórias inutilizadas, doendo de tanto tentar lembrar.
         Quero palavras, gestos, metáforas, analogias, ironias, sarcasmos, hipérboles, ah! Como eu adoraria hipérboles! Que tudo fosse exagerado, gigantesco, descomunal, inimaginável!
          E assim eu poderia enfim, compor o epitáfio, de uma lápide, que sem rancor seria esquecida: “À tempo! Ela conseguiu à tempo, mesmo com todos os capítulo em branco.”

[mais um desabafo que outra coisa sorry ^^"]
[19.03.10]

4 de junho de 2010

Sentidos

Eu não tenho mais sentidos.
Todos eles foram deturpados.
Eu não vejo direito.
Eu não ouço nada.
Nada tem sabor.
E o que quer que essa abstinência tenha a me acrescentar eu renego, eu não quero.
Nada vale isso.
Não adianta esfregar os olhos, não adianta água fria.
Pareço incapaz de despertar.
Como se não tivesse realmente sentidos.
Eu não aguento mais essa hibernação.
Quero algo concreto e puro em minhas mãos.
Quero algo calmo e saboroso em meus lábios.
Quero algo imenso e indolor no meu coração.
Quero meus sentidos atentos.
Quero meus olhos despertos

3 de junho de 2010

A Sombra

Qual será a sombra que cobriu o homem?
Essa sombra que muda as cores dos prédios e das janelas,
que muda a cor dos olhos das pessoas.
Ecoa no ar o grito,
da mãe,
do filho,
o grito mais aflito.
É uma dor da qual todos desviam os olhos.
É um anjo que não sabe voar,
é uma mancha de sangue no chão, que a chuva não consegue apagar.
É a falta ou o excesso de atitudes,
É o medo,
o apartheid calado de uma raça
de uma única raça,
de um único ser,
o ser que é humano, ou que talvez tenha sido algum dia,
Essa sombra é o eudonismo daquele que tem que cuidar,
o abandono de quem deveria criar,
a dor de quem devia festejar...
O que será que o ser humano tem de tão venenoso?
Nenhum outro animal mata outro sem razão,
nem aniquila sua prória descendência.
O que temos de tão único e humano que nos faz tão não-naturais,
tão desiguais?
O que temos que nos tirou da simples e pura existência de ser animais?
A sombra é
uma queda,
uma mancha,
um tiro,
um choro,
uma poça de sangue...

O que aconteceu comigo?
Antigamente eu acendia fogueiras...
Hoje guardo pó de incenso,
Pó de sonhos.
Antes eu plantava margaridas
Hoje caminho deixando rosas pisadas pelo percurso
Antes eu apressava o tempo,
Hoje os ponteiros de todos os meus relógios giram em anti-horário
Antes eu gritava pelos amores e amigos,
Hoje meus sentimentos estão repousando em uma caixinha prateada.
Antes eu não suportava o ardor do meu sangue
Hoje tenho que esfregar as mãos para que corra
O que aconteceu comigo?
Quem vai saber,
Se até mesmo a vontade de procurar respostas se esvaiu.

2 de junho de 2010

Eu e As Palavras (Eu X As Palavras)

Eu não escrevo.
Eu torço palavras e as sangro, moldo-as para que elas digam o que quero.
Discuto com elas, brigo com elas. Temos uma pugna que já dura um tempo.
Às vezes sentamo-nos e tentamos nos entender.
Elas expôem seus pontos de vista. Eu empurro os meus como cápsulas através da garganta delas.
Algumas vezes dormimos juntas calmamente, tranquilamente.
Algumas vezes eu as seduzo, outras elas me corrompem.
Eu transo com elas, saboreio-as.
Eu vou com elas tomar um café, um sorvete...
Algumas vezes até mesmo marcamos um encontro.
Eu não escrevo.
Escrever é fazer as palavras deslizarem pelo papel,
Por enquanto eu travo um relacionamento com elas.
Me apaixonei subitamente por elas um dia,
talvez eu já até as ame.
Mas elas são tão difíceis de amar!
Por isso seguimos assim.
Nos amamos, nos batemos, nos odiamos, mas eu sempre as torço.
Eu machuco-as como elas me ferem,
E bebo o sangue delas com prazer.

31 de maio de 2010

Alto

Eu gosto de olhar a cidade do alto. De noite quando tudo não passa de sombras.
Tudo que você vê é uma imensa mancha escura, modelada, recortada.
E as luzinhas coloridas tornam impossível não pensar em arvores de natal.
É lindo. Não importa para que lado da cidade você olha. É simplesmente lindo.
E então você começa a reparar em outras coisas.
Em como o vento passa, naquela temperatura meio quente querendo ser fria,
o litoral tentando ser serra.
E o vento é tão saboroso!
Seus olhos sobem e de repente você vê como os desenhos das nuvens são
incriveis.
Aquele cinza esbranquiçado, todo rachado,
como um imenso quebra-cabeça impossível de se montar.
A lua acanhada puxando seu edredom fofinho para si. Parecendo sorridente.
A linha férrea não é apenas mais um monte de ferro e pedras,
mas um caminho prateado se estendendo sinuoso até a curva.
Você olha o trem mais adiante e nem consegue acreditar.
É o mesmo veículo feio e incômodo que você já embarcou tantas vezes.
Parece de brinquedo! Você até estende a mão para ver se ele cabe nela.
E um tipo de paz diferente te acomete,
simplesmente aquela sensação de observar do alto.
E então você começa a descer e tudo vai ficando comum e feio de novo.
Mas você sabe que se quiser aquilo de novo é só subir, alto, quanto
mais alto melhor.
Às vezes penso se não é o mesmo com a vida.
Se só o que precisamos é debruçar no parapeito dos olhos,
e olhar de fora para dentro e não de dentro para fora.
Olhar do alto, distante. Ver apenas as sombras.
De repente assim, um caminho escuro e feio, pode se mostrar intrigante
e atraente.
Um medo pode parecer um brinquedo.
Sentimentos podem parecer apenas mais uma luz, apenas mais um brilho.
Talvez um simples pirilampo.

Quero

Quero tornar-te em mim.
Transformar você em um pedaço de mim.

Quero ter-te em meu corpo quente e pulsante,
Quero ter em meus olhos lindamente ofuscante.
Quero ter-te em meus lábios incômodamente doce.

Quero te ter em meus braços suavemente protegida.
Quero te ter em minha mente eternamente abrigada.
Quero te ter em mim, perfeitamente encaixada, um pedaço, parte de mim.

Meu Veneno

Queria ver tu provar do teu próprio veneno,
Saboreá-lo como faço à cada segundo.
Será que em ti se transformará em inspiração?
Será que cegará sua visão?
Ou apenas eu posso ser afetada?
Terei eu um veneno fabricado, moldado ao meu paladar?

O que tu fazes

Tu fazes do susto excitação,
Fazes do medo, obcessão,
Fazes de lábios eternos brinquedos,
E do coração pura massa de modelar.
Tu fazes do meu ser incompleto,
um completo e perfeito ser.

Lições Avessas

Havia coisas que eu não queria aprender. Que eu viveria melhor sem saber.
 
Mas eu quis todas as suas lições avessas.
Quis ver pelos seus olhos, quis sentir pelo teu peito.
 
Por exemplo, não queria aprender a sonhar sem medidas, não queria ter amplas possibilidades.
Não queria aprender o gosto amargo de vê-las se dissolver.
 
Não queria aprender como é bom ficar feliz pelo simples fato de ouvir uma voz, e não queria aprender como dói a ausência desta.
 
Não queria saber como é bom dormir bem realmente e não simplesmente descansar.
E não queria amargar as noites frias muito piores depois disso.
 
Não queria saber que era capaz de fazer alguém sorrir, com qualquer tolice.
Não queria aprender que sou capaz de causar dor.
 
Eu queria continuar acreditando que sou resistente à toda e qualquer dor.
Mas, você ensinou bem.
Eu não sou.
 
Mas algo eu estou aprendendo agora.  
Tudo na vida tem concerto.
Obrigada pelas lições.

Alguém que não seja você

Não vou pensar que há em algum lugar alguém à minha espera.
Por que essa pessoa seria você.
Não vou pensar que encontrarei a pessoa certa.
Essa pessoa foi você.
Não vou pensar que farei a pessoa certa.
Seria moldar alguém em você.
E não vou pensar em você.
Por que você não está, nem estará.
E não vou pensar em ninguém.
Até que encontre um alguém que não seja você.

Estarei aqui

Estendo rosas ao teu caminho.
É uma pena que não poderei retirar as pedras.
Acendo uma luz para tua estrada.
Infelizmente não poderei evitar nenhuma dor que lhe ocorrer.
Mas à contragosto eu estarei aqui, infelizmente aguardando.
Porque se você precisar, eu estendo minha mão.
Espero que não em vão.

Meu Livro, Minha história

Tenho à minha frente um livro em branco.
Vou pegar a caneta.
Sei que vou.
E escrever nele um lugar onde a liberdade seja um fruto fácil.
Onde o carinho esteja dentro.
Eu sei que vou.
E juntos vamos fazer de tudo um novo começo.
E esse livro será perfeito.
Eu vou pegar a caneta.
E na primeira página escreverei: "Era uma vez..."
E depois de numerosas páginas terminarei com: "E então fechou os olhos e pôde ver. Havia valido à pena.''

Não para você

Não tenho palavras para você.
Não tenho olhos que você possa ver.
Não tenho pele que possa tocar.
Não tenho boca a encaixar na tua.
Não tenho pés para te alcançar.
Sou solúvel. Aguarde uns segundos. Não serei mais nada.
Por que eu não tenho coração.
Não para você.

Vivos?

O que mantêm as pessoas vivas?
Uma mãe diria: "Meu filho."
Mas e quanto às mães sem filhos?
Um padre diria:"Deus."
O deus que lhe reserva o inferno?
Um apaixonado diria: "Ela."
Mas muitas vezes "ela" se vai.
Uma criança morderia os lábios e diria: "Mamãe."
Espere. Você ficará sem ela.
O poeta diria: "As palavras."
Uma folha em branco virá,
Afinal...
O que mantêm as pessoas vivas?

Abismo

Ando fechando os olhos ultimamente.
Sentindo o vento bater gélido na beira do meu abismo.
Ando com vontade de simplesmente dar um passo à frente.
Fico imaginando como deve ser a queda...
Meu corpo se revolvendo naquelas correntes de ar.
Fico pensando como eu ia sentir minhas faces amortecidas de frio.
Imaginando o impacto.
Será que doeria?
Será que eu bateria os meus pés?
Ou a minha cabeça?
Mas, imagino mais ainda como será lá embaixo.
A morte? Se for a receberei curiosa.
Sua mão? Se for a beijarei com carinho.
Medo e escuro? Quem sabe.
A minha vida inteira andei entre abismos.
Medo de cair. Medo de escorregar. Medo de virar a curva errada. Medo, medo, medo...
Talvez eu esteja fazendo papel de idiota e a resposta esteja lá embaixo.

A Flor

Veio-me uma flor.
Bela. Tão bela que meus olhos ardiam por tanto olhar.
Seu aroma era tão inebriante que me afetava à quilometros de distância.
Seus sons pareciam um música que nunca poderia ser composta.
E foi-se a flor morena.
Deixando um beija-flor desolado, e faminto.
Deixando o exagerado coração do beija-flor descompassado.

Acompanhamentos

Gosto quando o clima me acompanha o humor.
E o céu nubla como os meus olhos.
E eu posso fingir que tudo no meu rosto é gota de chuva.
Ou quando o sol alimenta minha euforia.
 
Gosto também quando o tempo me acompanha.
E passa lento na minha preguiça.
E avança na minha alegria.
Mesmo que às vezes ele pare na minha dor.
 
Gosto de sentir que algo muda comigo.
Mesmo que apenas por coincidência.
A solidão é menos solidão.
A alegria é um pouco mais alegre.
A preguiça é aconchegante.
E a dor...bem pelo menos eu não a percorro só.