31 de maio de 2010

Alto

Eu gosto de olhar a cidade do alto. De noite quando tudo não passa de sombras.
Tudo que você vê é uma imensa mancha escura, modelada, recortada.
E as luzinhas coloridas tornam impossível não pensar em arvores de natal.
É lindo. Não importa para que lado da cidade você olha. É simplesmente lindo.
E então você começa a reparar em outras coisas.
Em como o vento passa, naquela temperatura meio quente querendo ser fria,
o litoral tentando ser serra.
E o vento é tão saboroso!
Seus olhos sobem e de repente você vê como os desenhos das nuvens são
incriveis.
Aquele cinza esbranquiçado, todo rachado,
como um imenso quebra-cabeça impossível de se montar.
A lua acanhada puxando seu edredom fofinho para si. Parecendo sorridente.
A linha férrea não é apenas mais um monte de ferro e pedras,
mas um caminho prateado se estendendo sinuoso até a curva.
Você olha o trem mais adiante e nem consegue acreditar.
É o mesmo veículo feio e incômodo que você já embarcou tantas vezes.
Parece de brinquedo! Você até estende a mão para ver se ele cabe nela.
E um tipo de paz diferente te acomete,
simplesmente aquela sensação de observar do alto.
E então você começa a descer e tudo vai ficando comum e feio de novo.
Mas você sabe que se quiser aquilo de novo é só subir, alto, quanto
mais alto melhor.
Às vezes penso se não é o mesmo com a vida.
Se só o que precisamos é debruçar no parapeito dos olhos,
e olhar de fora para dentro e não de dentro para fora.
Olhar do alto, distante. Ver apenas as sombras.
De repente assim, um caminho escuro e feio, pode se mostrar intrigante
e atraente.
Um medo pode parecer um brinquedo.
Sentimentos podem parecer apenas mais uma luz, apenas mais um brilho.
Talvez um simples pirilampo.

Quero

Quero tornar-te em mim.
Transformar você em um pedaço de mim.

Quero ter-te em meu corpo quente e pulsante,
Quero ter em meus olhos lindamente ofuscante.
Quero ter-te em meus lábios incômodamente doce.

Quero te ter em meus braços suavemente protegida.
Quero te ter em minha mente eternamente abrigada.
Quero te ter em mim, perfeitamente encaixada, um pedaço, parte de mim.

Meu Veneno

Queria ver tu provar do teu próprio veneno,
Saboreá-lo como faço à cada segundo.
Será que em ti se transformará em inspiração?
Será que cegará sua visão?
Ou apenas eu posso ser afetada?
Terei eu um veneno fabricado, moldado ao meu paladar?

O que tu fazes

Tu fazes do susto excitação,
Fazes do medo, obcessão,
Fazes de lábios eternos brinquedos,
E do coração pura massa de modelar.
Tu fazes do meu ser incompleto,
um completo e perfeito ser.

Lições Avessas

Havia coisas que eu não queria aprender. Que eu viveria melhor sem saber.
 
Mas eu quis todas as suas lições avessas.
Quis ver pelos seus olhos, quis sentir pelo teu peito.
 
Por exemplo, não queria aprender a sonhar sem medidas, não queria ter amplas possibilidades.
Não queria aprender o gosto amargo de vê-las se dissolver.
 
Não queria aprender como é bom ficar feliz pelo simples fato de ouvir uma voz, e não queria aprender como dói a ausência desta.
 
Não queria saber como é bom dormir bem realmente e não simplesmente descansar.
E não queria amargar as noites frias muito piores depois disso.
 
Não queria saber que era capaz de fazer alguém sorrir, com qualquer tolice.
Não queria aprender que sou capaz de causar dor.
 
Eu queria continuar acreditando que sou resistente à toda e qualquer dor.
Mas, você ensinou bem.
Eu não sou.
 
Mas algo eu estou aprendendo agora.  
Tudo na vida tem concerto.
Obrigada pelas lições.

Alguém que não seja você

Não vou pensar que há em algum lugar alguém à minha espera.
Por que essa pessoa seria você.
Não vou pensar que encontrarei a pessoa certa.
Essa pessoa foi você.
Não vou pensar que farei a pessoa certa.
Seria moldar alguém em você.
E não vou pensar em você.
Por que você não está, nem estará.
E não vou pensar em ninguém.
Até que encontre um alguém que não seja você.

Estarei aqui

Estendo rosas ao teu caminho.
É uma pena que não poderei retirar as pedras.
Acendo uma luz para tua estrada.
Infelizmente não poderei evitar nenhuma dor que lhe ocorrer.
Mas à contragosto eu estarei aqui, infelizmente aguardando.
Porque se você precisar, eu estendo minha mão.
Espero que não em vão.

Meu Livro, Minha história

Tenho à minha frente um livro em branco.
Vou pegar a caneta.
Sei que vou.
E escrever nele um lugar onde a liberdade seja um fruto fácil.
Onde o carinho esteja dentro.
Eu sei que vou.
E juntos vamos fazer de tudo um novo começo.
E esse livro será perfeito.
Eu vou pegar a caneta.
E na primeira página escreverei: "Era uma vez..."
E depois de numerosas páginas terminarei com: "E então fechou os olhos e pôde ver. Havia valido à pena.''

Não para você

Não tenho palavras para você.
Não tenho olhos que você possa ver.
Não tenho pele que possa tocar.
Não tenho boca a encaixar na tua.
Não tenho pés para te alcançar.
Sou solúvel. Aguarde uns segundos. Não serei mais nada.
Por que eu não tenho coração.
Não para você.

Vivos?

O que mantêm as pessoas vivas?
Uma mãe diria: "Meu filho."
Mas e quanto às mães sem filhos?
Um padre diria:"Deus."
O deus que lhe reserva o inferno?
Um apaixonado diria: "Ela."
Mas muitas vezes "ela" se vai.
Uma criança morderia os lábios e diria: "Mamãe."
Espere. Você ficará sem ela.
O poeta diria: "As palavras."
Uma folha em branco virá,
Afinal...
O que mantêm as pessoas vivas?

Abismo

Ando fechando os olhos ultimamente.
Sentindo o vento bater gélido na beira do meu abismo.
Ando com vontade de simplesmente dar um passo à frente.
Fico imaginando como deve ser a queda...
Meu corpo se revolvendo naquelas correntes de ar.
Fico pensando como eu ia sentir minhas faces amortecidas de frio.
Imaginando o impacto.
Será que doeria?
Será que eu bateria os meus pés?
Ou a minha cabeça?
Mas, imagino mais ainda como será lá embaixo.
A morte? Se for a receberei curiosa.
Sua mão? Se for a beijarei com carinho.
Medo e escuro? Quem sabe.
A minha vida inteira andei entre abismos.
Medo de cair. Medo de escorregar. Medo de virar a curva errada. Medo, medo, medo...
Talvez eu esteja fazendo papel de idiota e a resposta esteja lá embaixo.

A Flor

Veio-me uma flor.
Bela. Tão bela que meus olhos ardiam por tanto olhar.
Seu aroma era tão inebriante que me afetava à quilometros de distância.
Seus sons pareciam um música que nunca poderia ser composta.
E foi-se a flor morena.
Deixando um beija-flor desolado, e faminto.
Deixando o exagerado coração do beija-flor descompassado.

Acompanhamentos

Gosto quando o clima me acompanha o humor.
E o céu nubla como os meus olhos.
E eu posso fingir que tudo no meu rosto é gota de chuva.
Ou quando o sol alimenta minha euforia.
 
Gosto também quando o tempo me acompanha.
E passa lento na minha preguiça.
E avança na minha alegria.
Mesmo que às vezes ele pare na minha dor.
 
Gosto de sentir que algo muda comigo.
Mesmo que apenas por coincidência.
A solidão é menos solidão.
A alegria é um pouco mais alegre.
A preguiça é aconchegante.
E a dor...bem pelo menos eu não a percorro só.